05.10 - Palermo
Antes de mais nada, digressão político-filosófica sobre meu chapéu de mago: É sempre difícil estabelecer se o que faz sucesso é o chapéu ou a mesmerizante e tóxica tesudice de quem está por baixo dele, mas o fato é que sigo atraindo olhares, sorrisos, comentários e umidificações baixas por onde quer que eu passe. E meu palpite é de que às vezes ele me confere um certo soft power, cá e lá pessoas que gostaram de me ver montado respondem um informação ou fazem alguma pequena gentileza com mais boa-vontade. Há casos que chapéu nenhum resolve. Alguns italianos parecem se orgulhar por agir como um asno escoiceante, como foi o caso do atendente do hotel de hoje, ao qual chegamos super cedo. Permitiu deixar as mochilas num canto, mas foi absolutamente refratário ao pedido de que tomásemos o café da manhã hoje em vez de amanhã, porque sairíamos muito cedo para a próxima etapa. Roubei um croissant da mesa do filho da puta, teria cuspido nos outros se fosse adiantar alguma coisa.
Seguimos então, a pé, para um recital encontrado, como sempre, fuçando a internet. Lá lonjão, e com direito a surto de apoplexia escalafobética da portadora de minha medicação controlada só porque eu resolvi atravessar a rodovia correndo (e secretamente torcendo para tropeçar bem na frente do caminhão).
E, lá chegando, cadê a música? Só uma turma em pé em frente a uma igreja, um italiano falando pouco compreensivelmente umas merdas religiosas quaisquer, e depois todo mundo se pôs a subir morro acima, carregando galões de 5 litros do que supus ser água benta. Várias velhinhas naquele clima de peregrinação mas nem assim mais capazes de encarar o terreno, tropeçando, voando longe, desistindo no meio do caminho. Lá perto do topo, sai um frade de uma capelinha e começa a nos contar fatos imperdíveis e essenciais sobre a vida de São Benedito. Aparentemente, em italiano, "recital" também significa algo como "palestra". Nada de música depois de todo aquele trabalhão pra chegar até lá, e depois voltar.
Já há vários dias sem bater um macarrão, paramos num restaurante, no qual pedimos um carbonara a 12 euros. Fui lembrado que já em várias outras vezes nesta viagem me recusei a pagar por pratos de valor semelhante, o que estaria se passando comigo?
Chegou, pelas mãos de uma garçonete displicente, um pratinho mixo, como se fosse um restaurante francês, não italiano. Saboroso, mas não teria satisfeito quem o comesse inteiro, que dizer então rachado por dois. Com uma coca-cola também rachada e a merda do 'coperto', três bocadas de macarrão pra cada saíram por quase 19 euros. Vou detonar os filhos da puta no tripadvisor.
A caminhada pela cidade, à tarde, foi um relativo colírio para os olhos devido à guia bonitinha, mas pouco memorável, por ser compreensível mas não plenamente fluente em inglês, o que empobrecia as possibilidades de seu discurso.
A vida é assim, igualzinho no jogo do tigrinho: às vezes a gente ganha, às vezes a gente perde. Perde bem mais do que ganha. Pra compensar o desperdício de grana do almoço, o jantar foi salgados e doces da padaria de supermercado. Uma refeição completa, ainda que inapelavelmente medíocre, por nem 5 euros.