02.10 - Pompei, Salerno
Passei ainda a madrugada de ontem e boa parte da manhã de hoje com o corpo coçando e pinicando, por culpa dos milhões de micro-espinhos que os picões, mesmo retirados, ejacularam em minha pele antes de sê-lo.
Fomos hoje visitar Pompéia, assim como metade dos habitantes do hemisfério norte. Diz o guia que Herculano também tem umas ruínas decentes e é menos assolada por turistas, mas visitar a segunda em vez da primeira seria como sair com um casal e na hora H, pegar o cara, e não a esposa dele.
A gente visita ruínas disto ou daquilo, e geralmente são umas pedras espalhadas pelo chão, uma meia coluna restante do que já havia sido o Burj Khalifa da época, uma decepção. Pompéia, não! É a ruína de uma cidade inteira, com bastante coisa ainda bem razoavelmente em pé, finalmente dá pra ter uma sensação honesta do que teria sido caminhar por uma cidade da antiguidade.
Por outro lado, em que pese o que acabei de escrever, não tem jeito, são mais de 20 séculos nas costas, e por mais que se tenha conseguido preservar as estruturas originais, o tempo cobra o seu preço. É como o corpo, ou a potência sexual: por mais que a gente não fume, não beba, não coma cheesitos, só coma a vizinha do 47 quando o marido está viajando e só coma o vizinho do 32 quando o ano é bissexto, as rugas inexoravelmente começam a se acumular, os dentes a se deteriorar, os corpos cavernosos a se atrofiar, a alma a se acinzentar, e um dia a gente olha por espelho e enxerga uma ruína também.
E como a vida antes de Cristo era chata! As dietas eram pobres, ninguém sabia ler, não havia nada interessante pra fazer, as casas eram dois ou três cômodos, um quintalzinho, umas camas e uns banquinhos. Sem os discos do Aderbal pra escutar, sem a poesia do Aderbal pra ler, sem papel higiênico (ou um disco do Aderbal) pra passar na bunda. A impressão que tenho é que qualquer nóia da Cracolândia vive com mais conforto e riqueza existencial do que um senador romano de antanho.
22 euros e muita, muita ruína depois, fomos conhecer melhor Salerno. O motorista não tinha bilhetes para vender no veículo, disse que entrássemos e nos sentássemos. Fiquei pensando que havia deixado barato, era uma tarifinha de dois euros. Mas havia feito contato com alguém do administrativo, para lhe entregar em uma das paradas e nos convocou a pagar. É curioso como, mesmo num lugar tão zoneado como a Itália, sobrevivem na cultura elementos obsessivos como este, ter um bilhete e validá-lo no aparelhinho ali do lado é sagrado e inquestionável.
O bate e volta de fim de tarde foi minimamente suficiente para a cidade. Um dia inteiro lá, como inicialmente planejado, teria sobrado um pouco. Depois de subir metade do caminho até o alto de um castelo e descobrir a passagem interditada a partir dali por causa de um incêndio recente, fazer um jantar bem satisfatório e tomar um excepcional sorvete de iogurte de sobremesa, sem muito mais a fazer por lá. Missão cumprida uma hora antes do horário de saída do trem de volta no bilhete adquirido. Na estação, respostas desencontradas de quem não havia entendido a pergunta sobre a possibilidade de embarcar num trem anterior.
O condutor do trem que cortejávamos inicialmente recusou o pedido, mas em seguida hipnotizado pelo sex appeal de minha mais nova camiseta 'onde está Aderbwally?', acabou nos deixando subir no trem vazio, com uma expressão condescentende no focinho. Para nem sequer cobrar os bilhetes depois. Ganhamos uma meia horinha. A vida é assim. Deus caga um dilúvio de merda sobre nossa cabeças, e depois joga um picotezinho de papel dupla folha lá de cima, achando que com isto fico quites conosco.