07.09 - Birmingham
Tem coisas que, como a herpes e o Luis Ignácio, não se cansam de se repetir. Hoje, como tão contumaz em minhas viagens, mais meio dia perdido com deslocamento pra ficar dia e meio em alguma cidade. Além do inevitável avião até Gatwick, com baldeação em Lisboa, três trens na sequência pra chegar em Birmingham às 3 da tarde.
Mas, como um ejaculador precoce, me apresso. Voltemos: antes mesmo de embarcar no avião, aquela passadinha na sala VIP do aeroporto, pra comer uma comida meio ruim, e da qual não chegava a estar com fome, só pra dizer que comi, porque era de graça. E aquele lugar cheio de gente, sem um canto nos sofás pra conseguir sentar. Provavelmente, com a proliferação destes bancos virtuais obscuros, agora os bancos tradicionais estão dando cartão black pra todo mundo. E, assim como na promiscuidade afetivo-sexual, se todo mundo é VIP, ninguém é VIP.
O voo foi aquela coisa de sempre: ensanduichados na fileira central de assentos, entre um gordão e uma gordona, filmes longe de imperdíveis, comida longe de memorável, o inescapável bebê escarrando a alma de tanto chorar de madrugada, o chão do banheiro do avião uniformemente recoberto por uma camada de mijo. E eu de meias. Mas passou rápido, até. O segundo voo atrasou uma hora e meia devido ao fog no aeroporto em Londres, e a refeição servida foi... apenas um copo de água!
Na chegada em Gatwick, uma fila de imigração digna de Hopi Hari em período de férias estudantis e com o brinquedo dando ruim a cada 3 viagens. Usualmente, já tenho aparentado minha velhice o suficiente para o oficial de imigração não achar que pretendo me tornar um imigrante ilegal entregador de pizza e mal olha meu passaporte. Desta vez, o sujeito ficou fazendo perguntas, mas sossegou ao ouvir que éramos companheiros maratonistas, como ele. Perguntou a marca de meu tênis. E eu, com aquela cara de quem foi pêgo pela mãe no banheiro com a piroca na mão: "uh... é... veja bem... Olimpikus"...
O caminho de rato ferroviário até Birmingham, visto retrospectivamente, correu liso e pontual, mas antes, no processo de montar o quebra-cabecas em pleno percurso, com meia dúzia de rotas possíveis e nomes de cidades que não apareciam nos painéis das estações, lembrou a perdidice exasperante experimentada em Tóquio, só que em inglês.
Mas a cidade em si? Um terço do tempo experimentada no nublado, um terço embaixo de chuva, e um terço à noite, molhados depois dela. Por enquanto, não foram as condições ideais para deixar a melhor impressão. E sim, a chuva, que junto com as greves de ferroviários ou destes ou daqueles, nunca é levada em consideração quando fantasiamos a próxima viagem. Meio como a possível clamídia nunca presente nos nossos devaneios com a vizinha do 21.
Fuçando o que fazer, ainda a caminho daqui, encontramos na agenda cultural um concerto com a música da trilha sonora do Senhor dos Anéis. Não é meu compositor ou trilha predileta, custava 25 libras por cabeça, preço bastante salgadinho, mas parecia suficientemente interessante pra topar meter a mão no bolso, e engolir as lágrimas da mesquinhez. E a sincronicidade de ir trajando meu chapéu de Gandalf (que me valeu também gritos de "Gryffindor! Gryffindor!" de um motorista bonitão que passou por nós na rua...) era muito convidativa.
Lá chegando, encontramos não uma grande orquestra mas um punhado de meninas estudantes de música, tocando basicamente uma versão pra pouco mais de um quarteto de cordas, totalmente sem dinâmica, e com aquele nível de execução Sinfônica de Paraisópolis. Teria sido perfeitamente nobre assistir como apresentação gratuita de fim de ano letivo. Mas por 25 libras, senti-me mais molestado do que a Anielle nas mãos do Silvio Almeida.
Saldo do primeiro dia da viagem: um estupro monetário e roupas e tênis já completamente encharcados.